Não tenho,
nos últimos anos, me surpreendido mais com o trabalho do Caetano, que
acho, está intelectual e/ou afetivamente enfastiado. Ele e outros... Em sentido
contrário, e não sei por que ainda me surpreendo, o Chico continua
grande, cada vez mais e sai novamente na frente. Escapa o Tom, fica
o Chico. Ele não necessitaria produzir mais nada bolas! Chega! Mas não! O
quase setentão ainda é vitríolo e sulfúrico. Leve, como a sombra, e muito!
Mesmo ateu declarado, sabe de Olorum e coisas da religião. Sabe-se lá quê laços
e dimensões o servem de graça em tantos assuntos, a ele que os trata e os
formata sempre com precisa beleza: nada falta, nada sobra. E sua
música, para quem não se dizia músico e objeto de tanta crítica no passado, vem
se mostrar auto-superando, está mais ironicamente redonda, incluindo-se ela,
sim, a música, com força, para além do encanto da sabida e poesia. A estrutura
musical vem com o balanço certo, e a melodia é excelente; sem influências: é
aborígine, absolutamente autóctone! Neste CD, de nome Chico, o homem
que beira os setenta se mostra jovial, cordial e naturalmente transigente. Abre
o disco com Querido Diário, um texto leve que se vai pesando com o
andamento. A poesia em que se revela, releva alguns amigos que têm
pena dele por que vive sozinho e pedem que tenha paz por isso, o
que o faz imaginar escolher uma religião, embora acerte na idolatria,
imaginando uma estátua de mulher para amar. Música leve, linda, letra
inaudita: Hoje pensei em ter religião/ De alguma ovelha, talvez, fazer
sacrifício/ Por uma estátua ter adoração/ Amar uma mulher sem orifício. Pode? E
por aí vai, com uma única ressalva (tinha que ter!), açodada talvez, com
relação à letra que fez para a música do seu contrabaixista, Jorge Helder, um
contumaz da composição estrambólica já registradas em DVDs anteriores. Chama-se
a quase monstruosidade, Rubato, que segundo o Aurélio, diz-se de
uma execução caracterizada pelo emprego de certas liberdades rítmicas, num
intuito expressivo que depende unicamente do gosto musical do intérprete. Acho
que o Chico aceita essas coisas como desafio à própria capacidade,
pois o cara faz melodias impossíveis de serem letradas; só mesmo a
generosidade e, sobretudo o talento do Chico é que consegue botar
certinho, certinho, sílabas nas incríveis elaborações melódicas e dissonâncias
das notas do Helder! Todo o resto, entretanto, resta perfeito e, só pra
chatear, a última música faz parceria com o grande João Bosco: um resultado
realmente de impacto. A melodia é simples, mas marcante, forte, impressionante
mesmo, que ainda por cima ganhou uma letra terrificante e mais adequada.
Trata-se de Sinhá, que é o canto doloroso (quase insuportável) do
escravo em flagelo por ter provocado a insânia do famigerado feitor,
que teria dado a desculpa de que o servo assistira o banho da sinhá no açude,
mas que na verdade, é que o infeliz havia ganho a patroa e corneado o sarará
feitor de olhos azuis. A música de J. Bosco – que participa com vocal de
fundo e violão – também não poderia ser melhor. Que dupla! Que faixa!
Mais se poderia dizer, enfim, é isso aí. Esse CD é um PASSEIO. Verve, saber,
jinga, cultura, classe e relax. Em meio a tantas duplas caipiras e tecnobregas
(ARRHTRRFSDADDSSAGG!!!), não deixem de ouvir o Chico. Aqui temos também
grandes poetas, músicos e compositores, mas a hora, agora, é do Chico.
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