Músicas, Seriedades, Burridades e Coisas Ogonorantes.

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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

O Chico por Paulo Andrade.

Não tenho, nos últimos anos, me surpreendido mais com o trabalho do Caetano, que acho, está intelectual e/ou afetivamente enfastiado. Ele e outros... Em sentido contrário, e não sei por que ainda me surpreendo, o Chico continua grande, cada vez mais e sai novamente na frente. Escapa o Tom, fica o Chico. Ele não necessitaria produzir mais nada bolas! Chega! Mas não! O quase setentão ainda é vitríolo e sulfúrico. Leve, como a sombra, e muito! Mesmo ateu declarado, sabe de Olorum e coisas da religião. Sabe-se lá quê laços e dimensões o servem de graça em tantos assuntos, a ele que os trata e os formata sempre com  precisa beleza: nada falta, nada sobra. E sua música, para quem não se dizia músico e objeto de tanta crítica no passado, vem se mostrar auto-superando, está mais ironicamente redonda, incluindo-se ela, sim, a música, com força, para além do encanto da sabida e poesia. A estrutura musical vem com o balanço certo, e a melodia é excelente; sem influências: é aborígine, absolutamente autóctone! Neste CD, de nome Chico, o homem que beira os setenta se mostra jovial, cordial e naturalmente transigente. Abre o disco com Querido Diário, um texto leve que se vai pesando com o andamento. A poesia em que se revela, releva alguns amigos que têm pena dele por que vive sozinho e pedem que tenha paz por isso, o que o faz imaginar escolher uma religião, embora acerte na idolatria, imaginando uma estátua de mulher para amar. Música leve, linda, letra inaudita: Hoje pensei em ter religião/ De alguma ovelha, talvez, fazer sacrifício/ Por uma estátua ter adoração/ Amar uma mulher sem orifício. Pode? E por aí vai, com uma única ressalva (tinha que ter!), açodada talvez, com relação à letra que fez para a música do seu contrabaixista, Jorge Helder, um contumaz da composição estrambólica já registradas em DVDs anteriores. Chama-se a quase monstruosidade, Rubato, que segundo o Aurélio, diz-se de uma execução caracterizada pelo emprego de certas liberdades rítmicas, num intuito expressivo que depende unicamente do gosto musical do intérprete. Acho que o Chico aceita essas coisas como desafio à própria capacidade, pois o cara faz melodias impossíveis de serem letradas; só mesmo a generosidade e, sobretudo o talento do Chico é que consegue botar certinho, certinho, sílabas nas incríveis elaborações melódicas e dissonâncias das notas do Helder! Todo o resto, entretanto, resta perfeito e, só pra chatear, a última música faz parceria com o grande João Bosco: um resultado realmente de impacto. A melodia é simples, mas marcante, forte, impressionante mesmo, que ainda por cima ganhou uma letra terrificante e mais adequada. Trata-se de Sinhá, que é  o canto doloroso (quase insuportável) do escravo em flagelo por ter provocado a insânia do  famigerado feitor, que teria dado a desculpa de que o servo assistira o banho da sinhá no açude, mas que na verdade, é que o infeliz havia ganho a patroa e corneado o sarará feitor de olhos azuis. A música de J. Bosco – que participa com vocal de fundo e violão – também não poderia ser melhor. Que dupla!  Que faixa! Mais se poderia dizer, enfim, é isso aí. Esse CD é um PASSEIO. Verve, saber, jinga, cultura, classe e relax. Em meio a tantas duplas caipiras e tecnobregas (ARRHTRRFSDADDSSAGG!!!), não deixem de ouvir o Chico. Aqui temos também grandes poetas, músicos e compositores, mas a hora, agora, é do Chico.

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