Músicas, Seriedades, Burridades e Coisas Ogonorantes.

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sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Tocha Felina (by Bob Freitas).

Quito era um dócil e charmoso periquitinho, tipo aqueles de realejo, aperfilhado quando caiu do ninho na goiabeira do nosso quintal e adestrado em troca de pedaços de macarrão cozido, grãos e sementes.
Queridíssimo e admirado por todos que tiveram oportunidade de conhecê-lo em vida, o esperto psitacídeo pousava alegremente em qualquer objeto assemelhado a galho que lhe fosse apresentado.
Não chegou a aprender a falar – até porque não viveu o suficiente para tal – porém assoviava e dançava como nenhum outro, era uma verdadeira maquete viva em escala reduzida do mais nobre, hábil e famoso dos seus familiares emplumados de bico eunuco, os papagaios reais.
Permanente alegre, curtia animadamente esse mundão livre, leve e solto, fazendo festa o tempo todo do alto de um ajeitado poleirinho que tinha estampado na parede de fundos um vistoso escudo da Tuna e como piso uma bandeja retrátil, sempre higienicamente protegida por forrações descartáveis.
Já naquela época, habitava o que seria consagrado posteriormente como “mobile home”, só que numa versão embrionária, tipo uma mini cobertura panorâmica, prudentemente fixada em ganchos previamente chumbados sobre as empenas e umbrais dos lugares que a família costumava frequentar.
Numas férias de julho, chegou a reunir significativa plateia na fila da balsa do Mosqueiro, quando, utilizando com poleiro-palco uma daquelas hastes horizontais dos maleiros de teto dos carros utilitários, saiu dançando O Milionário, sucesso musical dos Incríveis, que vazava da hermética e esfumaçada cabine do Maverick de propriedade da mãe de um roqueiro amigo nosso, maldosamente apelidado de Árvore de Natal.
Só muito depois sacamos que aquela alegria toda, na realidade, era um prenúncio de despedida.
Naquela noite, contrariando seus costumes e instintos naturais, nosso herói resolveu descer do seu “mobile home” para dar um “rollé” pelo enluarado quintal da nossa casa do Mosqueiro e acabou servindo de banquete para um velho e mal encarado gato de rua que, desgraçadamente, após refastelar-se, caiu na asneira de adormecer junto àquela massa rubra e inerte, com a cabeça e a plumagem que sobrou da avezinha.
Quem primeiro deparou-se com aquela aterrorizante cena, lá pelas cinco e meia da manhã, foi a caseira, também apaixonada pela vítima, que, mesmo de posse de um enorme terçado teve discernimento suficiente para nos acordar antes de cometer sua própria justiça, sussurrando-nos a notícia num tom cheio de emoção.
Assustados com aquele deprimente toque de alvorada, acordamos tomados por uma angustiante sensação de tristeza e revolta com sede de vingança e, ainda no quarto, nem esperamos pelo Ariba e pelo Roberto da D. Cotinha, decidimos por aclamação, ali mesmo, que a vingança seria maligna e imediata.
Como a caseira nos negou o terçado, pegamos uma caixa de fósforos e uma garrafa de cachaça – que além de outras finalidades servia para aliviar a coceira de nossas frieiras, perebas e curubas – e vazamos para a cena do crime, que a partir daquele momento transformava-se no cenário das nossas operações bélicas.
No quintal, demos de cara com o asqueroso assassino, um cruel, guloso e insensível gato malhado cinza escuro que, estarrado no balanço preso a um frondoso pé de sapoti, embuchado e sonolento, nem sentiu aquele espetacular jato etílico, lançado com precisão cirúrgica naquela nojenta e comprida cauda peluda.
Como num comando de artilharia altamente treinado, a operação de ignição, com um único palito incandescente atirado de longe no alvo já encharcado de combustível limpo, foi tão imediata quanto precisa, interrompendo bruscamente o ócio daquele cínico e infausto felino que, com a cauda flamejante e emitindo sons estridentes que denunciavam susto e pavor, disparou como um míssil teleguiado na direção das águas cor de âmbar da praia do Bispo, onde mergulhou sem espumar e desapareceu misteriosamente.
Segundo testemunhas que o viram emergir horas depois, já na praia do Areão, o fato das chamas terem atingido, além da cauda, também os bagos e pelos anais, valeu-lhe uma indigna e profunda depressão alcoolista que o faz a definhar pelas sarjetas imundas do mercado da Vila, miando desafinadamente trechos de sucessos da nova música popular paraense para entreter a papudinha clientela do Mário Maracujá em troca de migalhas alcoólicas, isso nas tréguas da perseguição recorrente e implacável do molecório aos gritos:
– Olha o gato desculhonado do cu pelado, tasca-lhe!!!

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