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terça-feira, 7 de maio de 2013

Estrela Centenária de Botafogo – General Severiano, 100.

Meu primo Naldo pinçou essa crônica do Mauro Beting falando do nosso Botafogo. É de emocionar.

A razão e a ciência tentam explicar o mundo. Para todas as outras coisas inexplicáveis existe o Botafogo.
“Enquanto todos os outros torcedores vão ao jogo de futebol para escapar da vida, nós, botafoguenses, vamos ao estádio para entendê-la melhor”. Explica João Moreira Salles, um dos selecionados no escrete de finíssima arquibancada gloriosa que escala Vinicius de Moraes, Clarice Lispector, Luis Fernando Verissimo, Otto Lara Resende, Ivan Lessa, Armando Nogueira, João Saldanha, Paulo Mendes Campos, Glauber Rocha, Fernando Sabino, Olavo Bilac, Antonio Candido, Sandro Moreyra, Emir Sader. Tantos alvinegros de berço e de General Severiano.
São cem anos do estádio do clube que mais atletas cedeu à maior seleção do futebol mundial. São 60 anos de um treino em que o craque-bandeira Nilton Santos levou um baile de um anjo diabólico que driblava certo com pernas tortas. Quando Mané Garrincha ganhou um lugar no clube e na história do futebol. Gênio e Alegria do Povo. Craque tipicamente botafoguense. Pode existir outro atleta neste mundo como o E.T. Pelé. Mas um novo Mané, daquele jeito, naquelas pernas, isso não existe. Isso é Botafogo. Aquilo foi em General Severiano, em 1953. Onde todos os grandes craques e ídolos do clube atuaram até o último jogo, em 1974. Onde Heleno foi ele no melhor jeito e nos melhores jogos.
Garrincha não se explica pela ciência e pela bola. Botafogo não quer e não pede explicação. Como diz o botafólogo Lúcio Rangel: “Eu não gosto de futebol. Gosto do Botafogo”. É isso. Não precisa ter título – e tem muitos. Não precisa ter craque – e teve tantos. Não precisa ter um estádio – teve vários. Não precisa ter mais torcida, mais dinheiro, mais poder, mais vitórias, mais, muitos. Só precisa Mané. Só precisa de um canto para ser Botafogo. Não precisa nem mesmo ter uma casa. Pode alugar. Pode arrendar. Pode demolir. Pode tudo. Pode até ficar errando de campo em cancha.
Mas é preciso Botafogo. Por mais impreciso que seja.
É preciso contar General Severiano. Lar do Glorioso. Da Estrela Solitária até quando o clube e os cofres se perderam num buraco negro.
Botafogo da primeira cancha na Humaitá até o ground da Voluntários da Pátria – que foi vendido e virou rua General Dionísio (sempre existem patentes estreladas na história única do Botafogo). Quando o clube ficou com apenas 12 sócios em 1912, Marechal Hermes da Fonseca (mais um estrelado, e que não se perca pelo nome…) deu ao Botafogo a concessão do terreno na rua General Severiano por sete anos – outro sete cabalístico do clube de Mané, de Maurício e de Túlio Maravilha.
Os abnegados botafoguenses (uma redundância) construíram o campo que só podia inaugurar no ano 13. 1913. No Dia 13. Treze de maio. 13 de maio de 13. Saravá, Zagallo – e não preciso contar quantas letras tem a frase anterior.
Só podia ser em Botafogo. No Botafogo. Não tinha mais match na pedreira da Assunção, ou na charneca da rua São Clemente. O que era um casarão em ruínas no bairro virou um campo para treinar. Para jogar. Para ser Botafogo. Para colocar luz no estádio em 1930. Para fazer drenagem pioneira no país. Para fazer campanha por cimento e ampliar as arquibancadas para 25 mil pessoas, reinaugurando a praça de futebol em 1938, com vitória sobre o Fluminense. Dez anos antes do último título conquistado no lindo estádio de espírito. O Estadual de 1948. Com vitória sobre o Vasco.
As grandes datas de General Severiano sempre têm um rival vencido. Como no primeiro clássico. Em 1913. Um a zero no Flamengo. Gol de Mimi Sodré. Sem mimimi. Só mais um fino craque de bola e sem cartola. Não por acaso, outra expressão nascida em General Severiano: “cartola” para definir um dirigente de clube.
Por mais inefável que tenha sido um diligente como o dirigente Carlito. Não houve cartola no clube e no Brasil como Carlito Rocha. Ele amarrava e dava nós nas cortinas do palácio Wenceslau Brás para travar e marcar os rivais… Ele, Carlito, que adotou Biriba. Cão preto e branco que virou craque campeão estadual em 1948. Só por que em um jogo de aspirantes contra o Madureira o cachorro invadiu o gramado durante e partida. Virou mascote. Virou símbolo. Virou Botafogo.
General Severiano onde Carlito Rocha viu “sangue, suor e lágrimas dos botafoguenses”. Onde só se viu quase tudo isso – menos botafoguenses – na venda da área de General Severiano para a Companhia Vale do Rio Doce, em 1977. Quando o clube virou suburbano em mais uma patente estrelada – Marechal Hermes. Depois atravessaria a ponte para jogar em Niterói, em Caio Martins. Este século faria festa e jogos no Engenhão.
Mas quando ficou distante de Botafogo, a partir de 1977, o clube se perdeu por muito tempo. Nada mais ganhou até 1989. Em 1995, quando voltou a ser o maior do Brasil, foi no mês em que o clube voltou definitivamente a General Severiano. No estádio onde se vê o Corcovado e o Pão de Açúcar. Onde Carlito, nas tardes cinzas como as meias gloriosas, pedia ao roupeiro Aloísio para que soprasse as nuvens que cobriam o Cristo Redentor para que ele pudesse enxergar o Glorioso… Coisa de Carlito. Caso de Botafogo. Na casa alvinegra por excelência. Por uso campeão.
O Maracanã foi tirando o Botafogo de General Severiano a partir de 1950. Mas jamais o Botafogo tirou General Severiano da alma. É mítico. É um mistério. É de quem tem estrela. “O Botafogo é mais que um clube. É uma predestinação celestial”, defendia Armando Nogueira. Um que veio do Acre para ver naquele pedaço de terra do Rio muito do que é o futebol. Não apenas pela qualidade. Mas por aquilo que não se quantifica. Poucas coisas são tão “futebol” quanto o Botafogo. Essa perfeita imperfeição inventada pelo homem tem no clube carioca umas das mais precisas traduções e preciosas tradições.
Paulo Mendes Campos, sumidade botafoguense (outra redundância), disse que o “o Botafogo é um menino de rua perdido na poética dramaticidade do futebol.” Com tantas casas e mudanças, o clube até pode ter se perdido. Mas raros são os casos no futebol de clubes que voltam para casa. Raríssimos têm um lar com tanta história como aquela rua de Botafogo.
Aquele menino da rua General Severiano, de fato, ganhou no drama do esporte uma história centenária de vida. “Quando o Botafogo está em campo há sempre mais coisas entre uma trave e outra além de 23 sujeitos e uma bola”, afirma João Moreira Salles.
Quando o Botafogo está em General Severiano, não precisa nenhum atleta, nem árbitro, nem bola. Basta uma estrela.
A estrela. Centenária.

Mauro Beting, jornalista esportivo há 22 anos. Não viu jogo em General Severiano em 46 anos de vida. Mas não precisa ter visto para saber que o do Botafogo é o campo dos sonhos. Como o do delírio do primeiro prélio, o da foto, em maio de 1913.

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