Contribuição do Grande Bob Freitas da Guitarra, autor da melodia do Hino do Cancer Clube.
Recém admitido como guitarrista do inesquecível grupo Gema, cenário vivo e indefectível do nosso saudoso e genial Walter Bandeira – a melhor simbiose de talento e excelência de caráter que a arte paraense já produziu – em plena efervescência cultural dos anos oitenta, fomos fazer dois “shows” nas instalações da Cia. Vale do Rio Doce no município de Barcarena, à época ainda uma empresa estatal.
A primeira apresentação, tipo “privée”, exclusiva para a galera do “staff” da empresa, foi um sucesso estrondoso, com cinco ou seis “bis” e direito a fartos canapés e 12 anos à vontade, com gelo de soda e água de coco, fidalgamente servidos no camarim pelo próprio “maître” que atendia a mesa da diretoria, regando uma tietagem do mais alto estilo, extensiva a coadjuvantes e toda aquela deslumbrada equipe de produção, comandada com mão de ferro, (mesmo quando sob luvas brancas), pelo grande Adenauer Jatene.
O segundo show, num sábado, foi para os demais empregados. A produção local coube a um enorme e desinibido “afro descendente” que atendia pela alcunha de “Alumínio”. Sempre discreto e muito educado, ao ser indagado sobre o perfil da platéia que nos aguardava, “Alumínio” comentou então que, devido aos riscos ambientais e à sofisticação tecnológica do trabalho ali desenvolvido, diante da indisponibilidade de mão de obra qualificada na região, a empresa foi obrigada a importar um grande contingente de operários especializados do estado de Goiás, que possuía tradição em mineração e domínio daquele complexo tipo de usinagem.
Com base nessa informação e a devida anuência da “Velha”, o Nego Nelson que, embora sem receber um centavo a mais do que nós – à revelia das leis Áurea e Afonso Arinos – acumulava todas as obrigações e responsabilidades inerentes à parte musical das apresentações, achou prudente alterar o repertório substituindo chatices funéreas como “Esse Cara”, “Atrás da Porta” e “Geni e o Zeppelin” por mega sucessos globais do tipo “Fuscão Preto”, “Nuvem de Lágrimas”, “Tapas e Beijos” e/ou pérolas similares, do gênero e gosto musical equivalentes.
Já de noite, com o “pau torando” no palco, deu logo p’rá sacar que a primeira música (Para Lennon & Mc Cartney) havia bastado para matar a curiosidade da galera, que, levantando ruidosamente das mesas, reacomodava-se em animados e estridentes grupinhos, sinalizando ostensivamente que estava a fim mesmo era de conversar (aos berros, até por causa do volume do som) e tomar muito “goró”, de forma a elevar a pressão alcoólica a um nível capaz de afogar a timidez e proporcionar coragem suficiente para tomar as – poucas e não tão virtuosas– damas disponíveis pelos braços e sair rodando pelo salão balançando o esqueleto.
Era o sinal claro e evidente para atacar com aqueles mega sucessos do “hit parade”.
Só que, num repertório de vinte e tantas músicas, o efeito daqueles mirrados “petardos” era absolutamente insignificante e não deu nem para a saída, até porque não foram tocados como no disco, requisito essencial para produzir um autêntico “som de otário”.
Nesse cenário constrangedor, para alegria geral, a solução partiu da boca do próprio coordenador de produção local, através de uma frase bastante conhecida daqueles que teimam em fazer da música instrumental a razão de ser de suas vidas: “Tá ótimo, só mais uma...”
Já mais tarde, na ambiência aconchegante do camarim, escutando serenamente as conjecturas e desconcertadas desculpas dos contratantes, o mesmo Nego Nelson, grande pensador e filósofo emérito do Telégrafo sem Fio, ao comentar que havia até alterado o repertório para tentar adequar o show àquele perfil de público, atacou fulminante:
– Não se pode querer agradar a Negros e Goianos.
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