Marcos Jorge, o “Bisca”, meu cabeçudo sobrinho/neto e afilhado de batismo é um figuraço, belo exemplar de molequinho esperto, cuja “boca porca” finalmente os pais conseguiram reverter, com exemplar persistência e muita chantagem.
Acostumado desde bebê a dormir e acordar muito tarde, só foi ter contato com a dura realidade do despertar cedo lá pelos quatro anos de idade, matriculado que foi, pela própria mãe – de quem herdou o tamanho da cabeça – no dispendioso a cruel turno matutino de um desses “jardins de infância” classe média alta.
Como não podia deixar de ser – até porque filho de peixe, peixinho é – o despertar matinal no outrora tranqüilo lar da família Jorge virou uma estresse só, um exemplo didático de mau humor coletivo, ninguém queria saber de nada que não fosse voltar ao travesseiro. Desjejum então, nem pensar, era o império familiar da náusea.
A avó materna, sensibilizada com a situação e assumindo o clássico papel de mãe ao quadrado, tacou uma tremenda lábia no molequinho e acabou convencendo-o a se mudar temporariamente para baixo de suas asas – no avantajado quatro suítes de primeiro pavimento de um confortável condomínio vertical em Batista Campos - disposta a conduzir, sem traumas, o necessário ajuste daquele reloginho biológico.
A simples troca de domicílio, como era de se esperar, não foi suficiente para sanar o problema, mas, pelo menos, naquele novo ambiente familiar, o mau humor matinal restringia-se exclusivamente ao nosso paparicado e invocado “cabeçudinho”.
Precisamente às 07h da madrugada de uma fatídica segunda feira, com os cabelos molhados – por causa do compulsório banho frio para espantar a preguiça – já de uniforme, mochila nos ombros e lancheira a tira colo, embora ostentando uma contrariada expressão de poucos amigos, o “Bisca”, é delicadamente conduzido pelas bem tratadas mãos da elegante e carinhosa avó no rumo do elevador.
Estacionado justamente no primeiro piso, como que aguardando a perfumada dupla, no instante em que avó e neto se acomodam na luxuosa cabine e ela confere o visual no imenso espelho da parede de fundos, o elevador é acionado por alguém num dos pavimentos superiores, postergando a almejada trajetória de descida.
Lá pelo penúltimo pavimento, surge então o novo companheiro de viagem, um executivo gaúcho vestido a caráter, tão alto quanto largo, carregando vistosa pasta tipo 007 que, após um educado e discreto “bom dia”, também se abstrai, mirando o espelho.
Medindo menos de 70 cm de altura – consequência tanto da linhagem genética quanto do peso daquela avantajada cabecinha sobre o corpo franzino – portanto sem acesso visual à sua própria imagem no espelho, repentinamente o nosso personagem faz uma tremenda cara de nojo, leva às mãos ao nariz e indaga, ofendido, em voz alta:
– Égua vó, tu peidaste ?
– Que é isso, seu moleque mal educado, onde já se viu tamanha grosseria na frente do moço – por favor, senhor, desculpe, ele vai ficar de castigo quando voltar da escola – rebateu rispidamente a avó, tão desconsertada quanto envergonhada.
Assustando-se com o volume da fala e surpreendido com aquela brusca mudança no humor da idolatrada avó, o nosso herói vai às lágrimas e, mantendo a mãozinha esquerda protegendo as narinas, aponta com a direita para o enfatiotado companheiro de cabine e ataca, aos prantos, soluçando e com voz anasalada:
– Então foi ele...P.S. - O Grande Bob Freitas da Guitarra nos enviou essa passagem histórica do Bisca, que por conta de suas geniais travessuras foi merecedor de uma música do Bob composta e inclusa no CD do artista "Enfim Solo".
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